Entrevista BOMBÁSTICA com o músico de Guanambi Ray Faria
Quando e como você iniciou na música? Quais bandas você fez parte nos primeiros anos de sua carreira?
Eu comecei meu envolvimento musical em casa, na família ouvindo desde os discos de Dilermando Reis com minha avó, que foi uma influência cultural muito importante, quanto meus primos mais velhos que ouviam Sá e Guarabira, Raul Seixas, e em casa onde se ouvia desde Roberto Carlos e sertanejo, até mesmo Elis Regina, Waldick Soriano, e todos artistas do fim dos anos 70, e início dos 80. Logo depois, passou a me chamar atenção o trio elétrico e a sonoridade da guitarra baiana de Armandinho, Dodô e Osmar. Por fim, a partir de 83 a 85, pela TV tomei conhecimento das bandas de rock, como KISS, Scorpions, Iron Maiden, Ozzy e cia. Principalmente pelo Rock in Rio I (janeiro de 1985). Ao mesmo tempo estava em curso o surgimento do rock brasileiro, com Blitz, Lulu Santos e várias bandas dessa primeira fase. Em paralelo, através da Rock Brigade, revista que se originou de um fanzine, fomos descobrindo que existiam bandas de rock pesado nacionais . A partir de 1986/87 surgiram bandas como VIPER, VODU, Sepultura, Overdose (MG), Centúrias, Zona Abissal (BA), que mostraram que era possível tentar fazer esse tipo de som no Brasil e estimularam a gente a sair da posição de ouvintes e tentar aprender a tocar um instrumento e montar uma banda de adolescentes.
Como era a cena do rock e heavy metal em Guanambi e região na época?
Na realidade não existia “cena local”; algumas pessoas, principalmente os que na época estudavam em cidades maiores (Salvador, BH ou São Paulo) que conheciam e tinham acesso aos discos de vinil ou fitas cassete, conseguiam material de bandas de rock e metal, e aí esses poucos indivíduos tinham uma referência de sonoridade e curtiam a estética do estilo. Ao mesmo tempo, algumas gravadoras e distribuidoras, como a Cogumelo Records de BH, a Woodstock de São Paulo, entre outras, começaram a licenciar discos importados e gravar bandas nacionais. Nesse contexto, montamos uma banda inspirada nessas possibilidades, cuja sonoridade era claramente influenciada pelo Iron Maiden e pelo Metallica; na época éramos eu no baixo, André Brito no vocal e Anderson Cunha (compositor da música Festa, de Ivete Sangalo) na guitarra. Posteriormente conseguimos Clériston pra bateria, André assumiu o baixo e passei pra guitarra. Era a banda “Exorcista”, a primeira banda de rock pesado da cidade; fazíamos um misto de covers e som autoral. Conseguimos nos apresentar em oportunidades em 89 e 90, respectivamente abrindo o show de uma banda de Vitória da Conquista, e na festa dos 70 anos de Guanambi-BA. Após esse momento, a banda se desfez e entrou pra estória… rsrsrsrss
Era possível fazer shows de rock e metal na época? Como era a recepção do público?
Como citei, fazer shows era muito difícil e contamos com a excepcionalidade desses eventos e a boa vontade de amigos que abriram as portas pra que um bando de moleques de 16/17 anos se expusessem com uma banda de rock pesado pra um público que no máximo conhecia algumas baladas e música pop. A recepção era de estranhamento e desconhecimento. No mínimo era algo “exótico”. Mas aos poucos, as pessoas foram achando algo diferente e interessante. Nessa época, a sonoridade dominante era da acessão da axé music e do sertanejo mais moderno.
Como foi a evolução dessa cena musical em Guanambi e região? Houve um aumento do numero de fãs de rock e metal ao longo dos anos?
Como nos anos 90 acabei indo morar em Salvador e vinha esporadicamente na cidade, não acompanhei com proximidade a evolução da cena local, mas percebia que o número de ouvintes e pessoas envolvidas com a cena do rock local começou gradativamente a aumentar. Surgiram outras iniciativas de bandas que produziram eventos em alguns momentos. Na realidade a partir dos anos 2000 percebi que bandas de rock, pop rock, indie e rock pesado passaram a causar menos estranhamento e passaram a ser mais aceitas nos eventos.
Atualmente o rock mainstream está em baixa, quase desapareceu. Porém a cena underground está viva e forte, mas não gera lucros pros músicos a ponto deles viverem apenas disso. Existe alguma solução ou formula para fazer com que as bandas independentes consigam viver da sua música?
A música pode ser encarada como um hobby ou uma atividade empresarial e profissional. Talvez o problema seja “profissionalizar” o underground e viabilizar a continuidade do nicho de público. Penso que partir do advento das tecnologias e da internet, ficou mais fácil produzir e registrar músicas em todos os locais, mas ao mesmo tempo, mais opções levou também a tornar mais difícil se destacar nesses cenários. Não acho que tenha “fórmula mágica”; cada cenário, momento e estilo requer uma análise situacional pra ver onde se insere a proposta de trabalho.
Você acha que seria interessante pro rock lançar musicas em parceria com artistas de outros estilos musicais, assim como acontece por exemplo dos sertanejos que lançam canções em parceria com cantores de funk, ou pagode lançando musicas com artistas do eletrônico?
Não vejo essa estratégia como algo necessariamente ruim, depende da qualidade do trabalho e da proposta que se quer atingir. Talvez alguns estilos possam ser mais alinhados. Tipo, alguém que trabalha uma canção de folk rock que pode se ligar a um artista sertanejo mais “raiz”. Ou situações como quando o Angra gravou com Milton Nascimento e recentemente com Lenine; foram propostas interessantes; não quer dizer que necessariamente vão funcionar em todas as situações, mas em premissa não teria preconceitos.
O vocalista do Oasis disse numa entrevista que o rock se tornou musica de playboy, já que é muito difícil comprar instrumentos que estão atualmente muito caros, como a guitarra por exemplo. Ao mesmo, é muito fácil de produzir musicas em estilo trap usando apenas um aplicativo no celular. Isso pode ajudar a explicar a diminuição da presença do rock nas camadas mais jovens?
Talvez sim, mas não tenho vivência nesse cenário pra emitir uma opinião mais fundamentada ou consistente.
Como o rock pode ser fomentado no nosso país e principalmente no Nordeste, onde o forró, o sertanejo e o axé dominam?
Acredito que as propostas que o mangue beat e outros movimentos de fusão entre ritmos musicais regionais e tradicionais produziram propostas e bandas muito interessantes. O problema a meu ver, é quando um movimento que surge de certa forma, espontaneamente vira um “produto” da indústria do entretenimento e passa a ser explorada de forma exaustiva pelas produtoras. Pra mim, isso gera um esgotamento do modelo, o mercado muitas vezes canibaliza as iniciativas interessantes e vira um processo de retroalimentar o tempo todo o mercado. Raramente os artistas e bandas conseguem construir e evoluir no próprio trabalho e ter uma carreira sólida, consistente e duradoura. No fundo, o importante é ter identidade e originalidade.
Qual a importância da internet, do computador e do celular pra arte? Eles ajudam a democratizar o acesso ao conhecimento e facilitam a criatividade? Ou tornaram as coisas mais superficiais e com menos qualidade?
As respostas são dúbias. Sim e não. Ajudam mais gente a fazer mais coisas e reduzem custo de produção e divulgação. Mas ao mesmo tempo, ninguém se aprofunda suficientemente pra gerar conteúdos relevantes, pois são fugazes e não traz uma consistência. Depende da qualidade do trabalho artístico, qual público se quer atingir e a relevância do nicho mercadológico.
Agradeço a oportunidade de falar um pouco sobre o cenário que tive oportunidade de participar em alguns momentos, mas acredito que outros amigos poderiam dar uma percepção diferente do cenário do rock ao longo dos anos aqui na região. Acho que tivemos uma relevância no início do movimento (anos 80), estive ausente da cena nos 90 e início dos 2000, e pude participar de alguns movimentos a partir de 2013 até 2018, que a meu ver foi bastante produtivo em eventos e surgimento de bandas de várias vertentes do rock, principalmente por conta dos coletivos e movimentos que envolviam várias pessoas de diversas orientações musicais. Na maioria das vezes, tais eventos não geram lucratividade que possibilite realimentar o processo. Talvez aí caiba uma visão “empresarial” que remunere os produtores e permita a continuidade de iniciativas semelhantes.
E essa foi a nossa entrevista com o músico Ray Faria, e fica aqui os nossos agradecimentos.